terça-feira, 11 de agosto de 2009

Pulsar

Fitava o espelho de águas escuras
Modificando-se,
Enquanto deslizava sobre sua superfície
Com as mãos pendendo para fora da nau

Poderia estar voando
O vento beijava-lhe o rosto com força
Respirava como quem acaba de nascer,
Engolindo golfadas geladas de vida

Nova
Por dentro berrava,
Anunciando ao mundo que chegara
Sim, como quem acaba de nascer

Mesmo que ainda restassem fragmentos
Daquele invólucro morto
Casulo triste e plúmbeo de uma prisão
Que aos poucos se desfazia

Seu mundo vinha á luz

Esse era um mundo no qual pequena viajem rotineira
Que antes era apreciada com olhos cansados
Voltados à dança enfadonha dos ponteiros apressados
Ao som ritmado dos toques repetidos de solas no piso
Agora se metamorfoseava em asas
Batendo acima do oceano

Deixou que as limitações ardessem
E se desfizessem nas chamas
Das quais brotou e abriu-se
Em cálidas pétalas rubras
Cujo perfume adocicado era sorvido
Por carícias solares

O panorama de seu universo não mais seria
Um ciclorama imóvel
Onde luzes e cores artificiais eram projetadas
 Para ilustrar um espetáculo ensaiado e mecânico

Agora era desejo, era explosão e sensação
Era presentear os sentidos
Com caleidoscópios de deleite
Com cores, aromas, texturas e sabores

Encantadores

Que cada dia trouxesse
Uma nova Alma
Para descobrir que

Só o que era preciso, era ser
Ser quem se é
Ser quem se quer, como se quer Ser

domingo, 9 de agosto de 2009

Sex Sentis

Todos estes temores sibilantes
Que rastejam aos pés de minha cama Quando estou só, no silêncio da noite Sussurram aos meus ouvidos
Gotas de dúvida peçonhenta
Que envenenam meus sonhos

Uma melodia distorcida e dissonante Embala meu repouso, nulo
Manchando os momentos
Esticando e torcendo as horas Acorrentando meus olhos
No breu de meu quarto, minhas costas

Dissimuladas são as sombras
Que se escondem sorrateiras
Nas frestas de minha distração
De onde vêm?
Qual é a fonte da imperfeição? Onde ela fica?
Que me seja permitido soprar para longe

As nuvens negras
Carregadas da imundice ácida
Que ambiciona corroer as estruturas de meus castelos
Tenho reinos inteiros por fazer
Sonhei que chovia sangue
Vermelho, vultoso, espesso e quente

O odor inebriante de carne putrefata e acre
Invadia os meus sentidos
E fisgava minhas entranhas
As vísceras de minha sanidade se contorciam
Foi necessário algo tão singelo
para despertar algum fulgor

ao longo desta minha estrada lamacenta.
Seria fácil assim,
fechar as cortinas
e receber em meu seio
novamente
a ausência de vida e cor?

terça-feira, 5 de maio de 2009

Seiva

Enquanto observava o chão se pintar com os minúsculos pingos de chuva
E ouvia a música que vinha dos telhados
Da escada de metal
E de minha própria pele salpicada de água
Realizei que estava grávida
Estou grávida e espero um novo eu nascer de mim
A medida que vou morrendo e secando
Deixando toda a tristeza sanar enquanto me consome
Cresce em mim o desejo de renovação
E a gestação de novas estações se torna evidente
Tenho que gerar esta nova vida
Para viver
Permitir à velha se extinguir enfim
Alimentar este bebê felicidade
Dar a luz a outros dias
Que se avizinham devagar
Desta forma vai se desenvolvendo o embrião
Originado em minha essência
Que seja serena, simples e cheia de vida
Essa que vem chegando
Que saiba ouvir e confortar
Saiba sorrir e saiba chorar
Abrir suas asas e não ter limites para voar
Tenha a força que me faltou e a graça da qual careço
Vou aleitar essa idéia para que tome feição
Embalar a esperança latente
Na promessa que o novo traz
Vou suportar toda esta dor que é parte do nascimento
Bravamente
Para que chegue ao mundo meu recém-nascido mundo
Com o hálito luminoso de tudo que é belo
Com o alento e o conforto do despertar ao sol
Vou despertar ao sol e enterrar as cinzas

domingo, 26 de abril de 2009

Descosturada

Quando dei por mim notei que tinha me perdido em algum ponto no caminho
Perdi a mim mesma e agora não sabia onde estava
Precisava me encontrar, para saber qual era meu valor, precisamente
Não lembrava mais
Costurava ainda a pouco, fronhas nos travesseiros,
Para dormir melhor
Quando o que queria mesmo era me costurar nos sonhos
Desviar-me do despertar
Porque o sabor das coisas despertas tem sido amargo e sem calor
Nos meus sonhos tempero a meu gosto qualquer fábula brilhante que queira
Caminho nua pelas ruas, imponente, sem medo de ser vista
Mas o fato é que ficou um pouco de mim espalhado em cada canto
E agora não quero mais recolher meus pedaços
Prefiro deixá-los morrerem e secarem
Só quero pintar um quadro novo com a minha tinta
Me sentir a salvo em minha própria pele
Quero ser novamente
De mim mesma
Por isso estou absorta em estradas vazias, silenciosas
Acredito que encontrarei sozinha uma coisa que pertence só a mim
Este tempo, de andar solitária, não é preciso ser sempre
Mas agora, tem alguma coisa que deixei para trás
Que preciso ter para descobrir o princípio
Vou acender as estrelas
Quero estar segura, bela e forte quando atender a porta
Quero estar pronta

domingo, 12 de abril de 2009

Prata


Hoje a chuva escura parou
Prateou
Porque eu pude falar com as nuvens
E elas me fizeram acreditar que eu posso
Quando as respostas são sonhadas
Mesmo quando não se espera
Um pequeno raio de luz entra pela janela
Atravessa as folhas das árvores e penetra na escuridão densa
E se for somente em sonhos que existe a perfeição
Quero acreditar que sonhos se realizam
Mas acima de tudo quero a realidade onírica de tocar os céus
Quero sim
Quero tudo isso, que sei que existe
E nem tenho medo de me cortar
Porque não vou sentir os espinhos rasgando minha pele no caminho se sei bem qual é o gosto
E eu sei
E depois
Depois deixa os sorrisos frouxos correrem
Deixa os desenhos tomarem forma, ficarem táteis
Deixa o mundo de palavras escorrer pelos lábios, doces
Quero pés descalços e calor nos poros
Deixa-me entrar
Deixa que caiam por terra os impedimentos e os medos, felicidade
Deixe a porta aberta
Porque eu quero chegar e me aconchegar em seu colo
Do jeito que foi, quando meus olhos estavam cerrados
E o céu ainda clareava
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