terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Rubi


Lança que sangra na empunhadura,
não pela ponta, mas pelos dedos.

Preciso ser salva,
mais que ser salvação.

Não há estrutura para segurar o mundo,
com mãos tão frágeis.

Sou pequena demais,
para caber em tão grandiosos papéis.

Quero pilares,
passos e mãos firmes.

Palavras de rocha,
olhares de fogo imperecível.

Não abro o peito,
rosas têm muitos espinhos.

Deixe o vermelho das pétalas,
dê-me o branco da paz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Verbum



As pessoas, e as bocas que olham,
no fervor das paredes trancadas.
Arfam gotas salgadas, na pele, das bocas.
Na carne da pele. Nos poros.
Ah, as bocas. E os olhos. E o calor.

Ah, as bocas e o que elas fazem,
arrebatam-me suspiros.
Mas ai de mim,
que o que falam as bocas
arrebata-me a alma.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Flutígeno

Da água salgada que pinga
Da língua o pingo na ponta
Me vejo a flutuar em jarros transparentes
Etiquetada, rotulada à gostos e categorizações

Algumas vezes começo a achar que é tarde
para iniciar parágrafos
grafar curvas, sinais, sentimentos
E ficam somente gotas azedo-imão

Pairando no ar, esvoaçando
Revolvendo ao sabor do vento
Como águas-vivas dançam ao sabor dos mares
E caprichos maiores que desconheço

E todas as texturas que
as pontas de meus dedos podem tocar
Não me bastam para satisfazer a ânsia
Que vira do avesso meus paladares

Ao passear pelas sinapses
De possibilidades ainda porvindouras
Aqui dentro, da minha cabeça
Não posso evitar salivar

É que sinto que poderia devorar
Universos, poesias, equações, cores, sons,
Olfatos, tatos, paladares, visões
Mas devo aprender a provar, apenas.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Réquiem II


Do ponto em que culminam as turbulências ocasionadas
pelos choques entre as massas negras de nuvens
das tempestades que criamos, que crio, que criei,
onde todos os raios e estampidos luminosos trovejam.

Da lama densa e escura onde revolvem-se os vermes,
a alimentarem-se de restos putrefatos,
onde o oxigênio não adentra,
germinaram botões alvos de perfumada flor.

Foi na leveza de saber da impermanência de todas as coisas,
sejam doces e afáveis, sejam dolorosas e cruciantes,
que desataram-se as duras amarras
e a brisa gentilmente conduziu para além,

brandamente roçou a pele de minha nunca,
purificando de todas as considerações,
manipulações, de todos os despotismos, apegos,
aquietando a mente afligida, na fluidez da exoneração.

As mãos e os braços esticaram-se na direção
de um lugar no qual todas as coisas são livres,
em sua imaculada natureza mutável,
onde todas as cores podem escolher de que cor querem ser.

domingo, 28 de agosto de 2011

Réquiem I


Atingiu como um soco a consciência adormecida,
que ignorava a existência de qualquer reminiscência
de coisas grandes demais para caberem em uma vida, ou duas.
De coisas pequenas demais para demolir tão imponentes fortalezas,
de coisas... e doeu.

Doeram-lhe o ventre e as entranhas, o âmago.
Rasgaram-lhe do peito à garganta, arrematada com nós,
aquelas parábolas sem sentido,
de loucos que giram em círculos, mãos dadas,
apenas para estatelarem-se juntos ao chão, em alguma volta.

Explodiram ante seus olhos vidrados,
todos os pontos embusteiros, verdugos,
que anunciaram a miséria daquele júbilo,
propagador de aforismos decadentes, empoeirados,
puídos, tão passado o tempo de serem deitados fora.

Há muito conservada e nutrida, lástima rancorosa,
cativa no sabor amargo que se prolongava, fel,
na ponta da língua, no fio da lâmina,
desferindo seu corte agudo, /mea culpa/ na carne.
Voluntariosamente oferecendo-se

ao deleite de tão ternas mortificações.
Desnuda agora desmistificava o sentido,
de uma coisa qualquer que já não mais respirava,
rastejava destroçada pelos cantos mais obscuros.
Fechou os olhos cegos, pulsou uma derradeira vez, cessou.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Jasminoides

Ainda que eu esteja perdida em algum outro planeta
trilhando rumos desconhecidos, à parte de meu Astro

Almejo ser Gardênia, pálida e aromática
segura na palma da mão, na carícia de seus dedos

Depois de tudo, não me despojei das pétalas
que supostamente deveriam ter pendido de mim e deitado ao chão
Desejo exalar minha fragrância no calor da pele sideral

E agora que só me resta a espera, tendo feito tudo o que fiz
me pego sorrindo ao me deparar com doces ironias.

Como pode?
Gardênia é o nome da essência
que tenho vertido em meu corpo
para perfumar os meus dias.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Sul


Faltava uma peça, para que houvesse o chão no caminho,
mas ela não conseguia encontrar, nem ao menos saber qual era.

Na boca de seu estômago sentou-se um vazio muito pesado,
que insistia em ficar, por mais que ela o mandasse sair.

No centro de sua testa o dedo agudo do desvario fazia pressão,
e lhe atrapalhava a visão.

Não conseguia enxergar muito á frente,
e se agarrava ás paredes do corredor estreito que sua vida havia se tornado,
para tentar se arrastar para frente, se empurrar para frente.

Mesmo sem ter onde pisar,
mesmo com aquele enorme vazio na boca de seu estômago,
mesmo sem enxergar aonde ia.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Maya


Quando olho no espelho, fico procurando quem sou eu.
É apenas um espelho, que mostra uma imagem irreal, distorcida.
Um fragmento de vidro. Mas fico imaginando se posso me encontrar ali.

Tenho praticado ser amarga.
Tenho me saído muito bem nas tentativas de alimentar ressentimentos,
de ruminar tristezas. Mereço aplausos. Não mereço?

Tem feito muito calor esses dias. Me faz querer sair de dentro de mim, para respirar.
Mesmo quando chove no fim da tarde, e a terra se perfuma com a água,
não tenho mais encontrado os limites de meus lábios, que denominam seu formato.

Continuo voltando ao espelho.
Tento perceber o tamanho de minhas pupilas, mudando,
as cores de minha íris, o contorno dos olhos que meus cílios emolduram.

Estou aprendendo a sentir medo, tenho exercitado com esmero.
Temo não ser o bastante, não ser quem eu deveria.
Tenho medo de não conseguir chegar lá. Medo. Paralizada.

Fiquei parada, fitando a estrada, amedrontada com as incertezas.
Assustada com as coisas que posso encontrar no caminho.
Temerosa de não encontrar o que espero, ao chegar.

Tenho me esforçado para odiar os que um dia, amei.
Tenho feito de tudo para desmanchar o sentido de belas palavras
e sentimentos sublimes. E tenho me saído bem nisso também.

Para ser mais forte,
mais auto-suficiente,
menos vulnerável.

Mas ninguém sai ileso quando se empenha tanto em se despedaçar, para ser mais inteiro.
Muitos pedaços meus tem morrido, pouco tem nascido de mim.
Estou de luto por tempo demais.

Me aplico na busca por mim mesma, no espelho.
Pego lápis, cores, e tento desenhar meu rosto, em meu rosto.
Aquela que eu queria ser, que eu poderia ser.

Então penso, que posso estar procurando no lugar errado.
Me levanto, vou até a janela.
E vejo minha imagem refletida no vidro.
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