domingo, 7 de setembro de 2014

Papel, caneta e lápis.

Gosto de papel, caneta e lápis.
Alguns preferem o toque plano do touch screen,
o estalar ritmado das teclas do teclado sob os dedos.
Não eu.
Gosto de deslizar as digitais na folha branca
sentir as fibras, as pequenas imperfeições,
a caneta firme entre os dedos,
a sensação do bico da caneta
deslizando na superfície limpa,
deixando um rastro de palavras,
histórias,
dores,
lágrimas,
alegrias,
paixões.
Tudo impresso no papel
pelas mãos dos artífices das palavras.
Como um artista plástico pinta um quadro,
pinto palavras.
Na folha de papel escrevo o teto de minha Capela Cistina
toda feita de palavras e frases.
Gosto de sentir o cheiro do papel, sua textura.
Papel alvo,
terra fértil esperando para ser plantada,
tela branca esperando para ser pintada.
Manjedoura de minhas idéias,
geradas no útero de minha imaginação,
é o papel.
Corre ainda no papel,
a seiva viva da árvore de onde veio
e todos os segredos que as raízes beberam,
da terra que sempre existiu.
Todas as histórias de todas as civilizações,
do início das eras,
da pré história,
da formação do planeta,
do sistema solar,
da galáxia,
do Big Bang,
da fonte,
de onde veio a vida,
de onde veio a morte.
Ecoa ainda, tudo isso,
no papel.
Eu gosto de papel.
Gosto de papel, caneta e lápis.


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

quarta-feira, 28 de março de 2012

Scabiosa maritima

Tinha febre
De se atirar ao furacão
Lábios rachados e trêmulos
Os poros insones

Dormir no turbilhão
Acordar cada manhã
Em algum outro lugar
Tinha febre

Nos braços do ciclone
Olhava para cima e via seus pés
Rasgava-lhe a roupa e todos
Os poros insones

Fere, arde
Je suis la et ailleurs
Frio, doce, calor
Mea culpa

De flor se abrir á força
Deitou-se às cinzas
Desflorada, deflorada
Fere, arde

Acre, sibila, escoa, corta
Agoniza, dedos esticados
Intangíveis, tocam-se
Mea culpa

terça-feira, 20 de março de 2012

Areia


Dor

Pungente

Inflamada

Sangra

Dor


Silêncio


Dor

Cristalina

Salgada

Quente

Dor

terça-feira, 13 de março de 2012

As Flores Sabem


não tem carne em seus ossos
aquele que entende das flores
verdes que abraçam
todos os universos sob a pele castigada

a maré subiu, inundou meu quarto
ensopou tudo que eu tinha
flutuei como uma pluma
como um hibisco sobre a água

as ondas cobriram as escadas
me ensinaram muitas coisas
a fragilidade exterior não corrompe
a beleza da força que está dentro

o encanto cínico do que se vê
com os sentidos
se deteriora e se desfaz
corroendo-se com veneno que se guarda

eu sei
as flores sabem
flutuamos todos
quando as águas chegam

Playing: What The Water Gave Me_Florence & The Machine

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Rubi


Lança que sangra na empunhadura,
não pela ponta, mas pelos dedos.

Preciso ser salva,
mais que ser salvação.

Não há estrutura para segurar o mundo,
com mãos tão frágeis.

Sou pequena demais,
para caber em tão grandiosos papéis.

Quero pilares,
passos e mãos firmes.

Palavras de rocha,
olhares de fogo imperecível.

Não abro o peito,
rosas têm muitos espinhos.

Deixe o vermelho das pétalas,
dê-me o branco da paz.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Verbum



As pessoas, e as bocas que olham,
no fervor das paredes trancadas.
Arfam gotas salgadas, na pele, das bocas.
Na carne da pele. Nos poros.
Ah, as bocas. E os olhos. E o calor.

Ah, as bocas e o que elas fazem,
arrebatam-me suspiros.
Mas ai de mim,
que o que falam as bocas
arrebata-me a alma.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Flutígeno

Da água salgada que pinga
Da língua o pingo na ponta
Me vejo a flutuar em jarros transparentes
Etiquetada, rotulada à gostos e categorizações

Algumas vezes começo a achar que é tarde
para iniciar parágrafos
grafar curvas, sinais, sentimentos
E ficam somente gotas azedo-imão

Pairando no ar, esvoaçando
Revolvendo ao sabor do vento
Como águas-vivas dançam ao sabor dos mares
E caprichos maiores que desconheço

E todas as texturas que
as pontas de meus dedos podem tocar
Não me bastam para satisfazer a ânsia
Que vira do avesso meus paladares

Ao passear pelas sinapses
De possibilidades ainda porvindouras
Aqui dentro, da minha cabeça
Não posso evitar salivar

É que sinto que poderia devorar
Universos, poesias, equações, cores, sons,
Olfatos, tatos, paladares, visões
Mas devo aprender a provar, apenas.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Réquiem II


Do ponto em que culminam as turbulências ocasionadas
pelos choques entre as massas negras de nuvens
das tempestades que criamos, que crio, que criei,
onde todos os raios e estampidos luminosos trovejam.

Da lama densa e escura onde revolvem-se os vermes,
a alimentarem-se de restos putrefatos,
onde o oxigênio não adentra,
germinaram botões alvos de perfumada flor.

Foi na leveza de saber da impermanência de todas as coisas,
sejam doces e afáveis, sejam dolorosas e cruciantes,
que desataram-se as duras amarras
e a brisa gentilmente conduziu para além,

brandamente roçou a pele de minha nunca,
purificando de todas as considerações,
manipulações, de todos os despotismos, apegos,
aquietando a mente afligida, na fluidez da exoneração.

As mãos e os braços esticaram-se na direção
de um lugar no qual todas as coisas são livres,
em sua imaculada natureza mutável,
onde todas as cores podem escolher de que cor querem ser.

domingo, 28 de agosto de 2011

Réquiem I


Atingiu como um soco a consciência adormecida,
que ignorava a existência de qualquer reminiscência
de coisas grandes demais para caberem em uma vida, ou duas.
De coisas pequenas demais para demolir tão imponentes fortalezas,
de coisas... e doeu.

Doeram-lhe o ventre e as entranhas, o âmago.
Rasgaram-lhe do peito à garganta, arrematada com nós,
aquelas parábolas sem sentido,
de loucos que giram em círculos, mãos dadas,
apenas para estatelarem-se juntos ao chão, em alguma volta.

Explodiram ante seus olhos vidrados,
todos os pontos embusteiros, verdugos,
que anunciaram a miséria daquele júbilo,
propagador de aforismos decadentes, empoeirados,
puídos, tão passado o tempo de serem deitados fora.

Há muito conservada e nutrida, lástima rancorosa,
cativa no sabor amargo que se prolongava, fel,
na ponta da língua, no fio da lâmina,
desferindo seu corte agudo, /mea culpa/ na carne.
Voluntariosamente oferecendo-se

ao deleite de tão ternas mortificações.
Desnuda agora desmistificava o sentido,
de uma coisa qualquer que já não mais respirava,
rastejava destroçada pelos cantos mais obscuros.
Fechou os olhos cegos, pulsou uma derradeira vez, cessou.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Jasminoides

Ainda que eu esteja perdida em algum outro planeta
trilhando rumos desconhecidos, à parte de meu Astro

Almejo ser Gardênia, pálida e aromática
segura na palma da mão, na carícia de seus dedos

Depois de tudo, não me despojei das pétalas
que supostamente deveriam ter pendido de mim e deitado ao chão
Desejo exalar minha fragrância no calor da pele sideral

E agora que só me resta a espera, tendo feito tudo o que fiz
me pego sorrindo ao me deparar com doces ironias.

Como pode?
Gardênia é o nome da essência
que tenho vertido em meu corpo
para perfumar os meus dias.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Sul


Faltava uma peça, para que houvesse o chão no caminho,
mas ela não conseguia encontrar, nem ao menos saber qual era.

Na boca de seu estômago sentou-se um vazio muito pesado,
que insistia em ficar, por mais que ela o mandasse sair.

No centro de sua testa o dedo agudo do desvario fazia pressão,
e lhe atrapalhava a visão.

Não conseguia enxergar muito á frente,
e se agarrava ás paredes do corredor estreito que sua vida havia se tornado,
para tentar se arrastar para frente, se empurrar para frente.

Mesmo sem ter onde pisar,
mesmo com aquele enorme vazio na boca de seu estômago,
mesmo sem enxergar aonde ia.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Maya


Quando olho no espelho, fico procurando quem sou eu.
É apenas um espelho, que mostra uma imagem irreal, distorcida.
Um fragmento de vidro. Mas fico imaginando se posso me encontrar ali.

Tenho praticado ser amarga.
Tenho me saído muito bem nas tentativas de alimentar ressentimentos,
de ruminar tristezas. Mereço aplausos. Não mereço?

Tem feito muito calor esses dias. Me faz querer sair de dentro de mim, para respirar.
Mesmo quando chove no fim da tarde, e a terra se perfuma com a água,
não tenho mais encontrado os limites de meus lábios, que denominam seu formato.

Continuo voltando ao espelho.
Tento perceber o tamanho de minhas pupilas, mudando,
as cores de minha íris, o contorno dos olhos que meus cílios emolduram.

Estou aprendendo a sentir medo, tenho exercitado com esmero.
Temo não ser o bastante, não ser quem eu deveria.
Tenho medo de não conseguir chegar lá. Medo. Paralizada.

Fiquei parada, fitando a estrada, amedrontada com as incertezas.
Assustada com as coisas que posso encontrar no caminho.
Temerosa de não encontrar o que espero, ao chegar.

Tenho me esforçado para odiar os que um dia, amei.
Tenho feito de tudo para desmanchar o sentido de belas palavras
e sentimentos sublimes. E tenho me saído bem nisso também.

Para ser mais forte,
mais auto-suficiente,
menos vulnerável.

Mas ninguém sai ileso quando se empenha tanto em se despedaçar, para ser mais inteiro.
Muitos pedaços meus tem morrido, pouco tem nascido de mim.
Estou de luto por tempo demais.

Me aplico na busca por mim mesma, no espelho.
Pego lápis, cores, e tento desenhar meu rosto, em meu rosto.
Aquela que eu queria ser, que eu poderia ser.

Então penso, que posso estar procurando no lugar errado.
Me levanto, vou até a janela.
E vejo minha imagem refletida no vidro.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Fel

Se eu pedir para pores fim ao sofrimento,
todas as mentiras que criamos para serem escudos,
me atirarias seus espinhos de veneno
com bálsamos de verdade, em palavras de veludo?

São fuligens que se desmancham
com menos que um sopro, quando despetaladas,
as rechaças que me ofertas em entrelinhas,
se dissolvem nos suores do meu corpo.

Ao convidar-te a se despir desses silêncios,
expor a tenra carne da alma, desnudo-me dos orgulhos
e de égides vestes, que por distância impusestes,
para te guardares da avidez de minhas mãos calmas.

Cabem dentro de mim a lascívia de suas escolhas,
os tormentos de sua natureza, o despudor do seu perdão.
Insustentável é o peso de amargo desprezo
e o gosto em minha boca, do fel da negação.
(Pintura: Ophelia_Sir John Everett Millais)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

02:32

Deixo-me aqui, sozinha, no silêncio da insônia
Perambular perdida, por cintilâncias salpicadas ao breu
Vaguear por bocados de remorsos, pedaços de imperfeições
Todas aquelas que me impedem o ser feliz

Me impedem de ser quem sou? Essa é a questão, vês?
Como encontrar a parte que me falta
Se ainda não posso saber a parte que me cabe, ao certo?
Creio que ainda não sei caber em nada

E à pouco pensava eu, que podia ser merecedora
De todas essas letras dispostas na tela luminosa
Pensava aqui, no ruído da madrugada, que seria eu
Ali naquelas estrofes livres, que satisfeita possuía o mundo

Sem saber
Desejando a felicidade de possuir o Tempo
E o nome que tem tantos nomes em tantas línguas
Nunca pude pronunciar com os lábios trêmulos

Fraca
Jamais pude desprender dos pulmões tantas palavras
Muitas frases, perdidas em minha covardia

Deixo-as caladas no fundo da garganta
Junto a essa sede, que jamais se aplacará
Perdida, permaneço ainda


(Pintura: A Pleiade perdida_William Bouguereau)
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