terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Quimera


E se houverem, dentre todas as centenas de milhares de almas que habitam o espaço existente e todos os que ainda existirão,um par de almas, almas pequeninas e brilhosas, sussurrantes na mesma sintonia, que cantem no mesmo tom?

Se existirem, dentre todos os corações que bombeiam a vida para os corpos apressados, circulando, dois corações rubros e palpitantes?

Que debaixo dos mesmos céus dançam os mesmos passos sem saber que não dançam sozinhos.

E se houverem mãos? Dois pares delas, mãos macias por baixo da pele, onde há o calor.
Mãos acesas e ansiosas, serenas, que foram feitas da maneira exata para caberem num entrelace.

E ouvidos carinhosos que, fossem os únicos?

Os quatro, pelos quais se pode compreender esta linguagem que ninguém em todos os orbes distingue. Aquele código do pensar perdido, oculto pelas brumas da essência, que tão raramente combina.

Quem saberia se bocas teriam a mesma cor e o mesmo perfume?

Apenas duas, especiais para as mesmas, com as pétalas formadas no mesmo padrão cauteloso e singelo.
Será que os olhos brilhariam quando se falassem?

E conversariam por longas e benditas horas, rogando para que as pupilas se envolvessem em um abraço interminável e aveludado.

Talvez numa manhã despretensiosa, dessas em que cantam os pássaros e os automóveis, dessas em que gritam a vida e os ambulantes, dessas em que estar acordado é como sonhar ou preferir estar em um sonho, você roçasse de leve nesta quimera lúdica feita contigo, tua irmã.

Será que saberia que estava ali a fonte da saudade que até este dia te fez imaginar onde estaria você mesmo?

ComFábulAção


Todos os dias eu mordo a carne de meus lábios;
Tenho pressa demais.
E todos os dias, eu sangro, seja na pele ou nas vísceras da consciência;
Tento mentir para eu mesma.
Não tem me restado muito mais que a feiúra de meu cansaço refletida nos espelhos
O caminho vem sendo longo e as bifurcações multiplicam-se
Confundo vontades e desejos com o combustível que queima minhas forças
Tento não pensar nisso
Esqueço-me do chão em que firmo os pés quando olho as nuvens acima
Preciso escolher pisar onde vejo com clareza o que está abaixo e por onde vão os passos
Não quero mais isso e mesmo assim quero tudo
Até porque algumas vezes tudo não chega a ser suficiente.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Fez calar


Este silêncio cortante que responde como eco,
É areia fina soprando em meus olhos.
Insiste em se pronunciar a todo o momento:
Silêncio. Silêncio.
Este silêncio ante as frases incertas,
Nunca quis perturbar equilíbrios.
Silêncio que permanece,
Em cada esquina virada,
Em todo canto.
Sibilando ao transcorrer de cada nascer e morrer do sol.
Sussurrando às minhas passadas nas ruas molhadas pela chuva.
Chove em mim este silêncio,
Que persiste, emudece as palavras.
Confunde as idéias.
E á noite, quando a lua sobe crescente de prata,
Lá na cúpula de estrelas reluzentes,
No céu de minha boca,
Calo-me em silêncio.

sábado, 23 de junho de 2007

E virou a página...


Ela sentou e respirou fundo, tinha nas mãos toda a magia contida em um dos universos, abriu o pequeno livro e espiou curiosa com olhos apreensivos. É preciso ter cuidado com essa coisa que os livros têm, eles são meio imprevisíveis. Você abre um livro e quando olha bem dentro dele, nem imagina onde ele vai te levar. Nunca se sabe onde pode ir parar.

Mas esse livro era daqueles que nos levam a lugares macios, onde a brisa é fresca e agradável, lugares coloridos e brilhantes, esse livro era daqueles de pé pisando em nuvens, daqueles que tem gosto de picolé em dia de sol e cheiro de chuva molhando a terra.
As palavras dançavam e sorriam para ela, algumas se penduravam na ponta de uma página e pulavam para a outra, fazendo acrobacias. E todas elas eram bonitas juntas. Enquanto estava lendo, tinha a sensação de que tudo no mundo estava em seu devido lugar.

Tão curioso era ver que em folhas de papel cabiam pessoas, mundos, sóis, luas, lágrimas, vidas. Como era encantador observar tudo aquilo e ao mesmo tempo fazer parte daquela beleza enquanto passeava por mentes e corações, deslizava por abraços e canções, enquanto dentro dela crescia a flor que brotara de uma semente pequenina que plantou.
Sorriu e pensou:
-Então é isso mesmo!

sábado, 9 de junho de 2007

Panacéia

Sangra comigo, quero sangrar.
Quero jamais ter medo de ser quem sou.
Que se dane o sistema, merda são eles.
Não me importo se estou contra, se não sigo o rebanho.
Irei até onde quero ir, farei o que quero fazer.
Nem algemas nem mordaça poderão me prender.
A verdade não está na casca, nem no que parece ser.

Intolerância, doença degenerativa que contamina o mundo, acinzenta tudo que tem cor,
envenena a humanidade,
venda os olhos para o que é belo, o que é puro.
Desejo alimentar meus olhos
com horizontes sempre muito abertos,
para não deixar que se limitem em um ponto.

Compaixão e solidariedade
são em meu coração
para aqueles que desejam,
que sucumbem, que não são hipócritas,
para os que lutam e suam, sentem dor e prazer,
para os que admitem suas fraquezas,
para os que são humanos .

terça-feira, 8 de maio de 2007

Páramo

Teve medo e sentiu-se nua, nada havia para confortá-la ou para lhe abrigar em meio à tempestade. De súbito estava só, desamparada e perdida como uma criança. Queria que alguém a tomasse pela mão e a guiasse, mas não havia ninguém, não haveria. Era assim que funcionava, cabia a ela enfrentar tudo sozinha, pois estava nela também a tormenta, e já não era mais criança afinal.
Olhou para os pés e lembrou de quando eram pequenos e não muito observados; -curioso como na infância tudo a nossa volta e fora de nosso mundo sempre parece muito mais importante e interessante, mais sério, e quando crescemos nos voltamos para nós quase que fundamentalmente, centralizando em nossas pessoas tudo o que importa (lembrou de seu egoísmo)... Entristeceu-se com a lembrança e teve mais certeza ainda de que não se pode estar certo de muita coisa. Tudo estava mudando, deu-se conta, tudo mudaria sempre, sempre mudou, talvez isso fosse melhor do que poderia conceber, mesmo que sofresse algumas vezes.
Não lembrava de ter sido atingida assim anteriormente, talvez tenha sido, mas seus olhos (pensava), não estavam abertos como agora, e na verdade, tudo não parecia tão intenso como agora. Havia aquela força invisível que a arremessava de um lado para o outro dentro de sua cabeça. Uma força que não poderia explicar, que não se pode compreender, inevitável, a qual nos subjuga sem exceção, impunemente.
Assistia a tudo assustada, como atriz e mais ainda como platéia daquela tragédia.
Teve medo e estava só, aprendendo ali, naquele momento, algo que era parte do que as pessoas chamam de “crescer”, dói e não se tem escolha.

sábado, 21 de abril de 2007

Metástase

Olhos fechados. Dei as costas para a vida, não quero ouvi-la respirar. O mundo tem estado em ruínas por estes dias, lentamente as paredes e o céu desmoronam e as cinzas se espalham pelo ar. Desabando a cada segundo, a cada grão que cai na ampulheta. Desmontamo-nos de nossos restos de suspiros, pulsações e alegrias tristes. Nossa máscara pálida e manchada não esconde mais o interior pútrido de nossa natureza.

Olhamos para o céu cinzento, pela janela sem vidro que embaça ao arfar de nosso hálito ácido. Nos trancafiamos em nossas torres com nossas trancas enferrujadas, pintando nossos anseios com o pó dos escombros de nós mesmos. Perde-se o que nunca se teve, escorrendo pelos dedos como areia e desfazendo-se ao vento como vapor. Nos atiramos em fogueiras, mas a carne não queima, apenas por dentro secamos, um deserto desbotado e tão silencioso quanto uma repetição de estrondos que se perdem no eco. A garganta se contorce com as entranhas, o coração atrofiado, mesmo assim se espreme, dilata e bombeia essa fumaça negra.

Qual é a pergunta? Qual é a resposta? Olhe no espelho trincado bem dentro dos seus olhos opacos e procure. Tudo que está escrito é verdade. Na verdade, a verdade não existe.

Acho que meu presente caiu. Caiu no abismo e se quebrou.
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